Contra-Auditoria: conheça as principais ações que atrapalham uma auditoria
Nem todo mundo conhece esse termo, mas muitos profissionais praticam contra-auditoria nas empresas. Basta chegar o dia da auditoria, para que alguns colaboradores comecem as ações para atrapalhar o seu desenvolvimento ou atrasar o seu andamento. Às vezes, até por excesso de zelo e prestatividade.
Quer saber como isso ocorre? Confira abaixo.
A auditoria garante a verificação do cumprimento de requisitos, a averiguação do desempenho e ainda revela uma oportunidade de melhora, contudo, por vezes, revela também algumas não conformidades ou falhas da equipe ou do processo. Diante disso, é comum que aconteçam comportamentos e atitudes que dificultem, atrasem ou perturbem o seu bom andamento, chegando às vezes até a comprometer o atingimento dos objetivos. É exatamente isso que chamamos de contra-auditoria. E nem sempre essa é uma prática intencional.
Em outras palavras, contra-auditoria é toda ação que compromete o andamento da auditoria, seja ela a demora na entrega de documento, falta de transparência nas informações ou até práticas que visem distrair o auditor.
Na última semana, realizamos um Webinar com o professor Marcello Couto, da HGB Consultoria e Gestão, que explicou fatos e informações importantes sobre esse assunto, além de contar exemplos curiosos dos mais diversos tipos de armadilhas que catalogou em seus mais de 25 anos de experiência.
Especialista em Sistemas de Gestão, Marcello Couto, M.Sc., PCQI, é auditor, professor, palestrante e consultor. Autor de três livros, entre eles um sobre contra-auditoria em sistemas de gestão, tem experiência internacional em auditorias em mais de sete países e soma mais de 500 dias de auditoria.
Confira abaixo a entrevista com ele, realizada durante o Webinar Contra-Auditoria em Sistemas de Gestão – as ações que podem atrapalhar uma auditoria e como contorná-las.
O que é contra-auditoria?
Basicamente, é qualquer ação tomada por qualquer parte durante a auditoria no sentido de confundir, perturbar ou atrasar o processo, com diferentes objetivos.
E esse é um termo conhecido – ou muitas vezes as pessoas praticam a contra-auditoria sem nem saber?
A pessoa pode praticar sem conhecer o termo, mas está aplicando o conceito do mesmo jeito, se estiver dificultando de alguma forma o andamento do processo. É importante conhecer sobre contra-auditoria porque às vezes pode até ser provocada inconscientemente, por um exagero de boa vontade.
Dou um exemplo: um auditado que quer ser muito solícito e acaba sobrecarregando o auditor com excesso de informação. Vai atrasar a análise dos dados, que provavelmente vai acabar ficando superficial.
Por que as pessoas fazem contra-auditoria?
A maioria das vezes porque a empresa ou setor não está pronto para a auditoria. Ou porque há consciência de um problema que não quer que seja descoberto. Também por falta de transparência, interesses pessoais, proteção de informações confidenciais ou simplesmente por insegurança do auditado.
Em geral, com quais objetivos as pessoas praticam essas ações?
Os objetivos podem ser vários. O mais comum é fazer o auditor perder tempo. Desta forma, a auditoria tem uma amostragem menor, sendo menos abrangente. Como todas as cláusulas definidas precisam ser analisadas, o que se faz é reduzir as amostras. Com isso, se o auditor não estiver atento ou não tiver muita experiência, acaba analisando menos documentos, considerando menos aspectos e realizando a auditoria com menor profundidade.
Mas quem faz contra-auditoria pode ter outros objetivos, como, por exemplo, tentar “aliviar” uma possível não conformidade, desestabilizando emocionalmente o auditor, especialmente se for um profissional com menos experiência. Se o auditor cair em provocações e reagir, seja quando questionam sua competência, seja quando o colocam em confronto, terá um clima desconfortável que demandará tempo e energia para resolver e restabelecer a ordem.
Quais são então as ações de contra-auditoria mais conhecidas?
Desde os mais inocentes almoços intermináveis, do outro lado da cidade, até intimidações agressivas. Tentar reduzir o tempo do auditor dentro da empresa colocando-o em hotéis distantes e marcando voos em horários de tráfego intenso.
Dificultar sua produtividade simulando desorganização e entregando documentos equivocados, antigos, excessivos, com demora. Auditado que é prolixo na entrevista, devaneia, desvia do assunto, prolonga demais para passar a informação pedida.
Envio de um “coelho” ao setor antes que o auditor chegue, avisando que está a caminho para que todos se preparem. Setores inteiros que se ausentam e fogem da entrevista. Funcionário escolhido que simula mal-estar para não ser entrevistado. Auditado que faz chantagem emocional, dizendo que será demitido se qualquer problema for encontrado, enfim.
Há casos de auditados hostis, reativos, que criam um clima de constante confronto. Esses podem associar a posturas bastante contestadoras, pondo em dúvida a competência e o conhecimento técnico do auditor a todo momento.
E até algumas atitudes de “cortesia” podem ser formas de contra-auditoria, quando são oferecidos presentes, vantagens, privilégios etc., para tentar obter simpatia do auditor e, possivelmente, “vista grossa” em algo.
E como o auditor deve agir?
A atitude fundamental do auditor é orientar. Desde o início do processo, demonstrar que tem interesse em evidenciar o máximo possível de conformidades, e não o contrário. Numa situação de contra-auditoria, em primeiro lugar, nunca perder a calma e nunca reagir. Ser uma figura diplomática.
Se não for o auditor líder, imediatamente direcionar a situação para que ele resolva. Já o auditor líder sempre vai buscar dialogar, inicialmente com o guia do auditado. Caso não resolva, vai para o representante da empresa. Em seguida para o cliente da auditoria, quem o contratou – que pode ser a certificadora, a alta administração da empresa auditada etc. E, em última instância, em casos muito extremos, o auditor líder também tem autonomia para abortar a auditoria inteira.
Existe algum tipo de punição que o auditor líder pode aplicar por conta de muita contra-auditoria?
Não existe uma punição, mas ele pode fazer constar no sumário executivo, que houve dificuldades, quais foram e pormenorizar. Desta forma é considerado no planejamento de riscos da próxima auditoria. Esta inclusive é uma prática de excelência que recomendo: análise dos riscos ao planejamento da auditoria, ao programa, para o auditado, para o auditor e para o atingimento dos objetivos. Este feedback torna-se um dado de entrada para análise de risco da próxima auditoria e também deve ser enviado para a certificadora ou para o cliente.
Você pode contar alguns casos que já viveu em auditorias suas e como contornou?
Uma vez, o auditado, antes de iniciar a entrevista, virou o porta-retrato da sua mesa e me mostrou uma foto dele com o filho em um balanço e a esposa ao lado em uma bonita praça. Então, ele me disse: está vendo esta família? Vai ter o pai e marido desempregado se eu tiver uma não conformidade nesta entrevista.
Com calma, expliquei que a não conformidade não é da pessoa e sim do sistema. E que na sua redação a tornamos o mais impessoal possível, inclusive por meio de várias amostras (procedimento que se aprende no curso de auditor líder). Ah, mas anotei isso para verificar na entrevista com a alta direção o seu entendimento e comprometimento, se havia algum clima de ameaça aos colaboradores.
Em outra vez, entrei no processo de calandragem de uma fábrica de tubos e vi que todos os postos de trabalho estavam curiosamente vazios. Discretamente, fui ao banheiro e lá estavam todos os colaboradores escondidos e amontoados, eram mais de 15. Quando me viram, morreram de vergonha. O que fazer? Quebrei o gelo, dizendo: “pessoal, já vi que o almoço deu piriri em todo mundo. Vamos fazer assim. Vou auditar outro processo e daqui a meia hora volto para auditar vocês”. Todos riram e depois os auditei.
São tantas experiências marcantes e enriquecedoras que pensei que dariam um livro – e deram: “Contra-Auditoria em Sistemas de Gestão (e outros contratempos): Identificação de indícios de contra-auditoria e contra-medidas para evitar que uma auditoria seja sabotada e outros casos”, que escrevi em parceria com Marco Túlio Bertolino. A proposta foi justamente retratar, de maneira leve e bem-humorada, diversos tipos de contra-auditoria.
Como foi a decisão de escrever este livro sobre esse assunto e a experiência de produzi-lo?
Já era uma ideia que vínhamos amadurecendo há tempos. Na verdade, se você perguntar para todo auditor mais experiente, a quantidade de situações inusitadas que ele já passou, todos vão responder que gostariam de escrever um livro com suas experiências. Só que nós materializamos esta vontade.
Mas para não ficar somente um livro técnico sobre contra-auditorias ou apenas um livro de casos, juntamos os dois assuntos. O livro tem três partes: a introdução é bem técnica, explica o papel de cada um e o que deve ser feito; a segunda parte aborda os tipos de contra-auditoria e como se sair bem nesses casos; e a terceira parte é só diversão, são os casos inusitados e as lições que deles se aprende. O livro está disponível no site da Amazon.